O uso de trechos ou, mais comumente, títulos de músicas ou álbuns (“discos”) nos rótulos de cerveja é relativamente corriqueiro no mercado cervejeiro.
Pensando talvez como uma homenagem ao artista ou à música de preferência do cervejeiro ou de seu público fiel, a cervejaria, na verdade, corre alguns riscos com essa prática.
Apesar de parecer completamente inofensivo, o uso indiscriminado de músicas é temerário, já que pode infringir direitos autorais, de imagem e até mesmo de propriedade industrial (marcas).
Títulos musicais e direitos autorais
Como é mais comum a utilização de títulos de músicas ou discos nos rótulos das cervejas, esse será o foco da abordagem do texto.
Inicialmente, é importante destacar que a música em si é protegida pelo direito autoral (o ECAD não nos deixa mentir…), portanto sua reprodução desautorizada e sem o recolhimento dos royalties, especialmente em estabelecimentos comerciais, é uma conduta ilegal que deve ser evitada.
Por outro lado, a Lei nº 9.610/98 (“LDA”), que consolida a legislação brasileira sobre direitos autorais, prescreve que os nomes e títulos isolados não são, geralmente, objeto de proteção como direitos autorais (art. 8º, inciso VI).
Logo na sequência, o art. 10 da LDA confere certo grau de proteção aos títulos de obras intelectuais, que recebem a tutela do direito autoral se forem originais e inconfundíveis.
Por exemplo, os títulos “Help!” ou “Revolution”, músicas dos “The Beatles”, podem ser considerados genéricos, pois são apenas palavras em inglês, sendo possível utilizá-las em rótulos de cerveja sem maiores problemas.
Por outro lado, a música “Hey Jude”, também dos “The Beatles”, já configura um grau maior de originalidade: todos sabemos que “Hey Jude” significa, sem dúvida, uma música deles, e aí o risco aumenta.
Portanto, podemos concluir que a mera utilização de um título de música ou disco no rótulo da cerveja, desde que sem maiores alusões ao artista ou banda em si (especialmente imagens/cenas de sua performance), não configura, em tese, lesão a direitos autorais, ainda mais se o título não tiver, por si só, a proteção pela sua originalidade.
Eventuais reflexos nos direitos de imagem
Além da proteção do direito autoral, é possível que a confecção de um rótulo aludindo a uma música e/ou a um artista (ou banda) específico tenha reflexos nos seus direitos de imagem.
Como regra, para se utilizar a imagem de um terceiro é necessário que haja o consentimento do titular, sob pena de indenização (artigo 20 do Código Civil), ainda mais quando estamos diante de uma exploração comercial.
Nesse sentido, os Tribunais Superiores entendem que, se o conteúdo violador da imagem tiver como finalidade algum viés econômico/comercial ou publicitário, o uso não autorizado da imagem potencialmente gera danos morais (mesmo a pessoas públicas):
Súmula 403 do STJ: Independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais.
Portanto, ainda que a intenção original tenha sido a de realizar uma homenagem ao artista, pensando inclusive na promoção de seu trabalho, deve-se ter muita cautela em reproduzir sua imagem, pois é possível que o próprio artista não queira ser associado à cerveja ou ao mercado cervejeiro, até mesmo porque pode ter contratos de exclusividade com outros patrocinadores.
Proteção como marca (propriedade industrial)
Ainda, é possível que os artistas tenham registrado os títulos de suas obras como marcas junto ao INPI.
O registro de títulos de obras artísticas como marcas é um tema polêmico e que não tem um entendimento firmado, por conta do inciso XVII do artigo 124 da Lei nº 9.279/1996 (“LPI”).
De toda forma, é cediço que alguns títulos de obras artísticas estão sim registrados perante o INPI, principalmente quando apresentam originalidade, criatividade e não sejam de uso comum.
Além disso, os próprios nomes e logotipos das bandas podem estar registrados como marca, aumentando o risco.
Nesse sentido, já alertamos várias vezes sobre os riscos do uso indevido de marca registrada, e as mesmas ponderações são aplicadas aqui.
Conclusões
Diante do que vimos aqui, é necessário ter cautela na utilização de músicas nos rótulos, especialmente quando o rótulo também contempla outros elementos visuais alusivos ao artista ou banda. Estando a prática inserida na atividade econômica da cervejaria, a reprodução da imagem com fins comerciais muito provavelmente ensejaria uma indenização ao titular.
Nossa recomendação é de utilizar apenas títulos de músicas ou discos que não sejam dotados de distintividade e originalidade, sem reproduzir a imagem da banda ou do artista em si e consultando previamente o site do INPI para se certificar de que a expressão não está registrada como marca.
Vinícius Verdi Borges, sócio do escritório Lopes, Verdi & Távora Advogados.
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