A “SCP” COMO VETOR DE INVESTIMENTOS CERVEJEIROS

Posted by Advogado Cervejeiro In: Acordo de Sócios, Assessoria Jurídica, Societário, Tributário No comments

A escolha do tipo societário nem sempre é o último passo na concepção de um negócio, pois é possível que os sócios não disponham dos recursos financeiros suficientes para iniciar o empreendimento.

Por exemplo, para que uma cigana consiga montar seu brewpub ou tap room, os sócios certamente precisarão também de um aporte considerável de capital para custear, por exemplo, projeto arquitetônico, equipamentos, locação/aquisição de imóvel e contratação de staff.

É aí que entra a figura dos investidores, entusiastas do meio cervejeiro interessados em aportar o capital necessário para levantar o negócio em questão, mas que não participariam, idealmente, da sua administração, tampouco possuem interesse em figurar como sócios da sociedade.

Para tanto, apresenta-se como bastante adequada a figura da Sociedade em Conta de Participação (SCP), regulada entre os artigos 991 e 996 do Código Civil, um tipo não personificado de sociedade bastante recorrente quando se pretende viabilizar investimentos.

COMO FUNCIONA

A ideia primordial da SCP é a de ter um sócio investidor (“sócio participante”, na terminologia do Código Civil) financiando uma atividade que é operada e exercida exclusivamente pelo sócio ostensivo (art. 991), visando ao lucro comum.

Dessa forma, o contrato de constituição de uma Sociedade em Conta de Participação tem o objetivo de regular, internamente, a relação entre o sócio ostensivo, que opera, de forma exclusiva, o negócio, e os investidores, na condição de sócios participantes.

No exemplo citado acima, a sócia ostensiva (aquela que “aparece” para terceiros) seria a própria cervejaria cigana, financiada pelos sócios participantes, os investidores.

É importante explicar que a SCP é uma sociedade despersonificada, ou seja, desprovida de personalidade jurídica própria (art. 993). Apesar de a Receita Federal obrigar à inscrição no CNPJ, isso só existe para fins fiscais e contábeis, sem conferir à SCP, contudo, a condição de pessoa jurídica.

Sequer é necessário registrar o contrato constitutivo da SCP na Junta Comercial ou no Registro Civil das Pessoas Jurídicas, o que, por si só, já se constitui numa grande vantagem pelo dinamismo, agilidade, liberdade e ausência de burocracias, reduzindo sobremaneira os custos de transação.

Reforça-se: a única responsável pela existência “externa” da SCP, aos olhos do mercado, é a sócia ostensiva, que é a responsável perante as obrigações contraídas perante consumidores, fornecedores, locadores, funcionários, franqueados etc.

A estrutura do contrato de SCP permite, por um lado, que a sócia ostensiva tenha autonomia e liberdade para gerenciar o negócio; por outro, garante aos investidores a tranquilidade de que não correrão maiores riscos perante terceiros, pois, como já dito, o investidor existe apenas internamente e não administra o negócio em si, não podendo contratar ou de qualquer forma se obrigar perante terceiros em nome da sócia ostensiva.

De todo modo, dado o caráter do investimento inerente a esse contrato de sociedade, o Código Civil garante ao sócio participante, ao menos, o direito de fiscalizar a administração da SCP (parágrafo único do art. 993).

JAMAIS FAÇA VERBALMENTE!

Ainda que a existência da SCP possa ser provada por qualquer meio, é claro que se aconselha a adoção de um contrato social por escrito, jamais optando pela forma verbal, que é muito insegura e potencialmente mais prejudicial na hipótese de ocorrer um litígio entre as partes.

Por meio do contrato social constitutivo da SCP, além de outras obrigações das partes, é possível deixar alinhado o quanto foi investido pelo sócio participante e o quanto deverá retornar como resultado da operação. Ao final, quando tiver sido amortizado todo o investimento e distribuído o lucro previamente acertado, a SCP poderá ser liquidada, e a sócia ostensiva seguirá suas atividades normalmente, já tendo quitado sua “dívida” perante o investidor.

Por fim, esclarece-se que também é muito usual, ainda que não seja o mais adequado ao instituto jurídico, que o sócio participante siga de forma “indeterminada” na SCP, recebendo os resultados conforme acordado no contrato entre as partes. Isso geralmente ocorre quando o investidor “não pode” ou “não quer” figurar diretamente em contrato social de sociedade personificada.

Ressalta-se, porém, o cuidado para que a SCP não seja utilizada tão somente no objetivo de simular uma verdadeira relação entre sócios de uma sociedade personificada (em especial, o sócio participante não deve exercer atos de administração, cabendo-lhe apenas a fiscalização da administração exclusivamente exercida pelo sócio ostensivo).

Em uma SCP simulada, na qual o sócio participante de fato exerce atos de administração, o risco é de que seja caracterizada uma sociedade irregular (“de fato”) ou mesmo um grupo empresarial, o que atrairia a indesejada aplicação do artigo 990 do Código Civil: Todos os sócios respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais, excluído do benefício de ordem, previsto no art. 1.024, aquele que contratou pela sociedade.

Portanto, conclui-se que a SCP, desde que contratada por escrito e de forma segura, é um instrumento adequado a tutelar e viabilizar o ingresso de investidores no negócio sob riscos consideravelmente mais baixos, na medida em que, como demonstrado, o patrimônio dos investidores não aplicado no empreendimento específico da SCP ficará protegido de eventual mau resultado.

 

Vinícius Verdi Borges, sócio do escritório Lopes, Verdi & Távora Advogados.

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